Até ontem, nenhum brasileiro havia cruzado a nado livre as águas geladas do Canal de Beagle, estreito banhado pelo mar e que está na fronteira entre o Chile e a Argentina.
O feito inédito para o país foi conquistado às 15h (de Brasília) por um nadador máster do Distrito Federal, o engenheiro potiguar Alfredo Guerra Machado, 60 anos, filho do renomado professor e médico psiquiatra Dr. João Machado, que militou na medicina em Natal, RN, nos anos sessenta.
Alfredo Guerra é formado em engenharia pela UFRN e há anos transferiu a sua residência para o DF, sem perder os laços familiares com a terra.
A travessia de 1,5 mil metros durou 31 minutos.
Durante o trajeto — de Punta Peña, na Ilha de Navarino, até Punta Mac Kinley, na Terra do Fogo —, o atleta em companhia de pinguins enfrentou temperaturas negativas, com possibilidades de queda de neve e correntezas marítimas.
Poucas pessoas no mundo se atreveram a entrar para a história ao executar a mesma proeza de Alfredo.
Para encarar situações como essa, ele treina diariamente no Parque Nacional de Brasília desde 1993.
Há 10 dias, o engenheiro desembarcou na cidade chilena de Puerto Williams após a viagem em um barco pelos canais antárticos.
Desde então, treinava nas águas do estreito.
Para transpor o Canal de Beagle, o nadador precisou de autorizações das marinhas argentina e chilena, que o acompanharam durante todo o caminho.
A missão começou a ser preparada em 2012.
As despesas para o nado no Canal de Beagle foram arcadas totalmente pelo engenheiro.
À época, ele conseguiu que uma empresa nacional especializada em roupas aquáticas desenvolvesse trajes adequados para a travessia.
Foram fabricadas cinco peças térmicas suficientes para suportar os 5ºC da água do canal e os 2°C negativos do ar.
Uma hora antes do início da aventura, Alfredo protegeu a pele com um remédio manipulado de dois componentes que levou do Brasil.
O creme foi usado para manter a temperatura do corpo e protegê-lo se, porventura, entrasse água entre a roupa e a pele.
Em seguida, vestiu os trajes feitos de neoprene.
Primeiro, colocou uma peça com 1mm de tecido térmico.
Por cima, vestiu uma espécie de macacão com mangas longas e calça.
Por fim, colocou luvas, meias e capuz.
Tudo isso para não ter contato com a água.
Post scriptum – O registro do record alcançado pelo norte-rio-grandense Alfredo Guerra Machado foi noticiado pelo “Correio Braziliense“, editado no DF.
O médico natalense, dr. Alexandre Andrade, radicado em SP, amigo de infância do recordista Alfredo Machado, informou ao blog a vitória alcançada pelo ilustre conterrâneo.
O Canal de Beagle separa as ilhas do extremo sul do continente da Terra do Fogo, no extremo da América do Sul.
Marca também a fronteira entre o Chile e a Argentina.
Pode-se navegar pela região, partindo do porto de Ushuaia, em visita a várias ilhas pelo caminho, como a dos Pássaros, Alicia, Bridges e Redonda, onde se avistam lobos marinhos, pinguins, cormoranes e outras aves marinhas.
Preferencialmente no verão se chega a estância Harberton, onde viveu o primeiro homem branco na Terra do Fogo.
Em 1978, a América do Sul esteve à beira de ingressar no maior confronto bélico da região no século 20, o conflito do Canal de Beagle.
Ao longo da Cordilheira dos Andes, tropas argentinas começavam a avançar em direção à fronteira com o Chile.
Os chilenos preparavam-se para resistir e retaliar.
O conflito prometia espalhar-se para o resto da região, envolvendo a Bolívia e o Peru, aliados informais da Argentina.
Mas, no último minuto, quando – segundo fontes militares – diversas patrulhas de vanguarda da Argentina já haviam entrado em território chileno, chegou a inesperada ordem de Buenos Aires: “Abortar a invasão!“
Por trás da súbita paralisação das tropas argentinas, estava o papa João Paulo II que, eleito havia apenas dois meses, enviou um dos mais hábeis cardeais, Antonio Samoré – chamado de “Kissinger do Vaticano” – a Buenos Aires e Santiago para evitar a guerra.
Os chilenos pretendiam atacar a usina nuclear de Atucha, mas, de manhã, o Vaticano havia detido a guerra.
Quando Videla, o ditador argentino, soube, respirou aliviado.
Militares argentinos já tinham atravessado a fronteira e estavam três quilômetros dentro de território chileno quando receberam ordem de voltar.
“Foi por puro acaso que não houve choques“, disse um general chileno.